sábado, 28 de setembro de 2013

Teatro Musicado?!

Faço teatro? Ou faço música? A impressão às vezes é que a música chega mais nas pessoas. A criação e o treino da música tem sido tão prazeirosos, que quando a gente se dá conta, temos um musical em mãos! Mas não um daqueles comerciais, superproduções (até porque grana é sempre algo que falta pra quem faz o teatro que se afirma contra hegemônico!). Temos uma peça costurada e comentada por canções.
"O Rio é uma cidade
De cidades misturadas
O Rio é uma cidade
De cidades camufladas
Com governos misturados
Camuflados, paralelos
Sorrateiros
Ocultando comandos"



E aí o cuidado: como a música chega? Não adianta ser só gostosa de ouvir, daquelas que geram empatia, fazem a gente embarcar na melodia e esquecer de refletir sobre o que está ouvindo. Pura apreciação. Nananinanão! Então a gente volta lá pro Brecht, pro Weil e se pergunta: como é que eles fazem isso?
O inesperado, a quebra da métrica, a dissonância, o ruído. Tudo rompe com a expectativa da repetição ou do caminho que a música pode levar, da sensação de que é possível adivinhar a próxima estrofe. É um desafio o cérebro aprender a fazer esse caminho na criação e desafio igual na execução da música. Meio personagem distanciada, meio atriz, a gente se concentra para estar em cena criticamente e apontar em cada linha cantada determinado posicionamento.
"Mesmo calada a boca resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa?
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta"
(Cálice - Chico Buarque)
E qual será o ritmo a escolher? Cada um, por si só, já traz um amontoado de significações a partir das referências que cada pessoa tem - seja sobre o contexto social em que surge ou sobre os momentos em que é utilizado. Tudo isso deve ser pensado e considerado na escolha, mas não quer dizer que se deva escolher a partir daquele que corresponde imediatamente as necessidades da cena. Porque não ressignificar um ritmo o descontextualizando e, mais uma vez, quebrando a expectativa de quem ouve? Porque o funk tem que ser associado à desvalorização do corpo da mulher ou a violência? Porque o clássico tem que ter a aura do sagrado e não pode ser "profanado", porque ser elitista? É possível recombinar elementos, ajudando a compor um comentário crítico justamente ao senso comum.

Nos últimos ensaios nós temos trabalhado a partir de cirandas. A tentativa é utilizar uma tradição popular para dialogar com as pessoas, que já conhecem sua estrutura, suas melodias. Assim, se por um lado, a tradição popular pode ser usada como forma de alienação por parte de grupos mal-intencionados que querem "levar cultura" aos marginais, ops! "marginalizados" (e dá-lhe a crítica muito bem aplicada aos "palhacinhos pacificadores" da Cia. Antropofágica), nós, na contramão, queremos politizar. Partindo dessa ideia, criamos uma letra de agitação! Sabe aquela frase clássica dos movimentos de moradia do centro: "Quando morar é privilégio, ocupar é um dever"? Nosso refrão faz alusão a ela e aponta a hoje tão camuflada luta de classes:

"O privilégio, o privilégio está
quando o rico pode tudo
e manda o pobre se catar
O privilégio, o privilégio está
quando o rico pode tudo
e manda o pobre trabalhar"

Por si só, sabemos que não é uma simples ciranda que vai transformar relações, mas a entendemos como parte de um processo. Processo de luta e resistência. E é pra isso que o grupo taí, quebrando a cabeça.
Vamo' fazê! Aliás, vamo' fazê juntos! Porque, como diz a ciranda, "o jeito agora é a gente se juntar".

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